Fundado em 18 de maio de 1898, o Complexo Hospitalar do Juquery, um dos maiores símbolos da psiquiatria brasileira, completa 127 anos hoje (18). Sua trajetória, entrelaçada com a cidade de Franco da Rocha, é marcada por inovações terapêuticas, mas também por violações de direitos humanos que ecoam até os dias atuais.
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De Colônia Agrícola a "Depósito de Indesejáveis"
Idealizado pelo psiquiatra Francisco Franco da Rocha, o hospital nasceu como uma colônia agrícola inspirada no modelo europeu, com o objetivo de tratar pacientes mentais por meio do trabalho rural e ar livre — um avanço para a época . Localizado em uma área de 170 hectares às margens do rio Juquery, o complexo foi projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo e inicialmente abrigava 800 leitos.
No entanto, ao longo do século XX, o local degenerou em um cenário de superlotação e violência. Na década de 1960, chegou a abrigar 16 mil pacientes em condições desumanas, muitos deles vítimas de torturas, lobotomias e eletrochoques como "tratamento" 48. Mulheres pobres, negras, mães solteiras e LGBTQIA+ eram internadas à força, muitas vezes por motivos banais como "histeria" ou "comportamento desviante" .
A Ditadura e o Juquery como Aparato Repressivo
Durante a ditadura militar (1964–1985), o hospital foi usado para encarcerar presos políticos e "inimigos do Estado", sob a justificativa de "distúrbios mentais". Relatos de ex-funcionários descrevem celas de isolamento, o "corredor da morte" e práticas sistemáticas de tortura 812. Pacientes eram registrados como "ignorado preto um", "ignorado preto dois", perdendo até mesmo sua identidade.
O Fechamento e a Dívida Histórica
Em 1º de abril de 2021, após 123 anos, o Juquery encerrou suas atividades como manicômio, transferindo os últimos nove pacientes para Residências Terapêuticas (RTs) — casas assistidas por profissionais de saúde mental. O fechamento foi um marco da Reforma Psiquiátrica Brasileira, consolidada pela Lei Antimanicomial (10.216/2001), que substituiu internações permanentes por cuidado comunitário.
Apesar do avanço, a dívida histórica persiste. Estima-se que 50 mil pessoas morreram no Juquery, muitas em circunstâncias nunca investigadas. O cemitério do complexo, hoje inativo, guarda ossadas não identificadas de vítimas esquecidas.
Franco da Rocha e o Legado do Juquery
A cidade de Franco da Rocha, que nasceu em torno do hospital, carrega até hoje o estigma da instituição. O nome do município homenageia o fundador do complexo, mas sua história é ambígua: enquanto Franco da Rocha defendia terapias progressivas para a época, o local se transformou em um cenário de horror.
Atualmente, parte do prédio histórico deve ser transformada em museu e centro de memória, enquanto outras áreas podem abrigar uma universidade pública — um projeto que busca ressignificar o espaço.
Reflexões no Aniversário de 127 Anos
"Nunca mais haverá pacientes-moradores, porque hospital não é lugar de morar", declarou a psicóloga Mirsa Elisabeth Dellosi, que acompanhou o fechamento em 2021. O Juquery serve como lembrete dos perigos da exclusão social e da medicalização da vida.
Enquanto o Brasil ainda tem 109 manicômios em atividade, a data reforça a luta por uma saúde mental baseada em direitos humanos — e a necessidade de não repetir os erros do passado.
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