Dois Pontos | O portal mais atualizado da região do CIMBAJU

Terça-feira, 18 de Novembro de 2025
Juliana morreu três vezes. Na queda, no abandono e no esquecimento.

Jorge Henrique Ramos

Juliana morreu três vezes. Na queda, no abandono e no esquecimento.

Sua história expõe o racismo e a indiferença que silenciam mulheres negras no mundo.

IMPRIMIR
Use este espaço apenas para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.

Em 1710, o filósofo irlandês George Berkeley levantou uma provocação metafísica que atravessou os séculos: “Se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir, ela faz barulho?” A pergunta não era sobre acústica, mas sobre existência e percepção. No mundo de hoje, ela ressurge com outra roupagem, mais cruel e urgente: se uma mulher preta cai em um vulcão, num país estrangeiro, e ninguém age ou reage, sua vida fez barulho?

Em 1962, Malcolm X declarou: “A mulher negra é a pessoa mais desrespeitada da América. É a mais desprotegida. É a mais negligenciada.” Ele falava dos Estados Unidos, mas a sentença atravessa oceanos e décadas. Ela encontrou eco no arquipélago da Indonésia, onde Juliana dos Santos da Silva caiu  e onde ninguém pareceu ter se importado em ouvir seu grito.

Juliana era brasileira, preta, periférica e viva até o dia em que caiu no Monte Batur, em Bali. Desde então, o que houve foi silêncio, burocracia e descaso. A mulher preta que tombou não virou manchete por sua ausência, virou meme. A cobertura da mídia local e global, a postura das autoridades indonésias e até mesmo o modo como muitos trataram a tragédia em redes sociais refletem um desprezo estruturado e cruel.

Leia Também:

A forma como a Indonésia tratou o caso beira o inumano. Uma turista caiu num vulcão ativo e, ainda assim, não houve mobilização internacional de resgate, nem esforços visíveis de busca imediata. Quando acontece com europeus, helicópteros são acionados, diplomatas pressionam, familiares recebem suporte. Com Juliana, sobrou silêncio e uma nota protocolar.

E o Brasil? Sim, o Itamaraty se pronunciou. Tarde. Frio. Como se o sumiço de uma mulher negra no Sudeste Asiático fosse só mais uma fatalidade do turismo extremo. Mas Juliana não era apenas “mais uma”. Ela era uma brasileira. E o país, que deveria gritar por ela, mal sussurrou.

Enquanto Juliana agonizava em algum ponto daquele vulcão, o noticiário brasileiro e as redes sociais foram tomados por uma comoção generalizada com o conflito entre Israel e Irã. Justa? sim, toda guerra é uma tragédia. Mas havia um contraste gritante: a empatia parecia não alcançar Juliana. Choravam por uma bomba em Tel Aviv, mas não por uma brasileira esquecida dentro de uma cratera.

Com a mesma tecnologia usada para lançar mísseis, era possível acionar drones para levar água, comida, cobertores. Mas o que faltou não foi apenas aparato técnico, foi humanidade. Não sou especialista em resgate. Mas sei que, diante do sofrimento de uma pessoa, o mínimo é tentar. O mínimo é se importar.

Juliana morreu três vezes. Na queda, no abandono e no esquecimento. E essa última talvez seja a mais cruel. Porque enquanto o mundo segue viajando para Bali, postando fotos nas mesmas trilhas onde ela se perdeu, sua família esteve sozinha. Lutando não apenas por um corpo, mas por dignidade, memória e justiça.

Essa coluna não é só sobre Juliana. É sobre todas as Julianas. Sobre como o mundo ainda reage (ou não) quando é uma mulher preta que sofre.

Talvez a gente precise fazer mais que chorar. A gente precisa lembrar. Exigir. Porque, se não fizermos isso por ela, não haverá ninguém para fazer por nós.

FONTE/CRÉDITOS (IMAGEM DE CAPA): Internet
Comentários:
Jorge Henrique Ramos

Publicado por:

Jorge Henrique Ramos

Jornalista, escritor e palestrante, foi conselheiro estadual da juventude e é autor do livro "Por trás dos muros da insanidade", tem mais de 10 anos de experiência na gestão pública.

Saiba Mais

Envie sua mensagem, será um prazer falar com você ; )