Há uma tradição na imprensa brasileira, especialmente em setores mais alinhados à direita, de distorcer fatos até que a vítima pareça culpada. A mais nova tentativa é com Donald Trump, uma figura notoriamente autoritária e instável, que anunciou taxação de 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto. A justificativa? Um malabarismo diplomático: segundo Trump, trata-se de uma reação ao que ele vê como perseguição a Jair Bolsonaro e ao “autoritarismo” do STF. Mas não se engane a tentativa de colocar essa decisão na conta de Lula é tão absurda quanto perigosa.
Um presidente norte-americano ameaça diretamente a economia brasileira, com impacto especialmente sobre os mais pobres, porque não gosta das decisões soberanas da Justiça de outro país. O vulgo “chantagem internacional” cabe bem pra isso.
Não há surpresa no comportamento de Trump, que vive de criar inimigos imaginários e de usar o comércio como arma política. A surpresa, ou melhor, o cinismo, está em culpar o governo Lula por não agir com mais cautela para evitar a retaliação de um líder que age como um caudilho digital. O que isso quer dizer, afinal? Que o Brasil deveria evitar críticas a Trump com medo de punições econômicas? Que a diplomacia brasileira deve andar em ovos para não ferir os humores de um político estrangeiro que já foi acusado de um crime de estado?
É sempre bom lembrar que Trump, além de tudo, enfrenta dezenas de acusações criminais em seu próprio país da tentativa de golpe à fraude eleitoral. Bolsonaro, por sua vez, responde por falsificação de documentos, tentativa de golpe e roubo de joias públicas. Mas para a direita brasileira, o problema é a reação da Justiça, não os crimes cometidos.
A verdade é que não dá pra justificar o injustificável. E muitos insistem em abraçar um raciocínio perigoso: o de que o Brasil deve se curvar ao capricho de potências externas e manter boas relações à custa da própria soberania.
Curiosamente, a ameaça de Trump acabou gerando um efeito imediato contrário ao que ele esperava: a aprovação do presidente Lula subiu após o anúncio das tarifas. Segundo a pesquisa Genial/Quaest, a aprovação do governo passou de 40% para 43% em julho, enquanto a desaprovação caiu. Dados da AtlasIntel também mostram crescimento na avaliação positiva do governo. Em tempos de tensão externa, a população parece reconhecer em Lula uma postura de defesa da soberania nacional o que ajuda a explicar esse “efeito rally” em sua popularidade.
Mas o mesmo levantamento indica que esse ganho pode ser frágil. A maioria dos brasileiros, 79% segundo a Quaest, está preocupada com os impactos econômicos da tarifa. Embora mais de 60% considerem a decisão de Trump injustificada, grande parte teme os efeitos na inflação, nos preços e no desemprego. Ou seja, a postura firme de Lula é aprovada, mas o bolso do brasileiro ainda fala mais alto: se o impacto econômico vier, a responsabilidade política pode, injustamente, recair sobre o governo atual.
Esse cenário reforça o absurdo de tentar culpar o Brasil pelas ameaças externas que sofre. O governo precisa, sim, agir com responsabilidade, mas não deve ser refém do humor de líderes autoritários. Se há algo a ser cobrado, é que todos defendam os interesses nacionais com coerência e firmeza, em vez de encontrar desculpas para justificar agressões vindas de fora.
Se há algo que deve unir esquerda, centro e direita, é a defesa da autonomia nacional. Mas para isso, é preciso deixar de lado o vício em culpar Lula até pelos erros alheios. O autoritarismo de Trump pertence a Trump. E não se combate autoritarismo internacional promovendo submissão.
Comentários: