Na antologia “Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta”, (Ed. Planeta, 2019), organizada por Mel Duarte é possível encontrar o poema da slammer Bell Puã “todas as mulheres”:
todas as mulheres
são pássaros
que o patriarcado
tenta aparar as asas
em cada grito sufocado
na vigilância às minissaias
ou na proteção concedida
ao brother canalha
assim mesmo
muitas e muitas
asas aparadas
levantam voo
Ao lê-lo, só consegui pensar na pintora mexicana Frida Kahlo, nascida em 6 de julho de 1907, mulher que hoje é símbolo da luta feminista no mundo. A história dela se confunde com muitos eventos de dor e sofrimento: em 1925, ela sofreu um acidente cujas consequências seriam levadas por ela durante sua vida. O ônibus em que estava se chocou contra um bonde, o que rendeu à Frida uma fratura pélvica, perfurações no abdômen e no útero, três fraturas em sua coluna vertebral, pé direito triturado e deslocado, além da clavícula fraturada.
Em diversos quadros, como La columna rota (1944), ela expressa a dor que sentiu em meio aos eventos que a acometeram. Em 1953, após a cirurgia em que amputou a perna, escreveu: “Pés para que os quero se tenho asas para voar?” e questionou seu papel enquanto uma artista do sul global. Ainda, no mesmo ano, ela relatou em seu diário, que após ter passado por 22 cirurgias, sua única preocupação era como ajudar a ascensão do Partido Comunista no mundo e via, em sua produção artística, um meio de disseminar seus ideais.
Porém, hoje, sua história pessoal e o conjunto de sua obra são amplamente estudados sob a ótica da liberdade feminina e artística. Um de seus primeiros quadros, Unos cuantos piquetitos (1935) mostra uma mulher assassinada por um homem com diversas facadas. A autora foi pioneira ao tematizar o feminicídio, quando ele nem possuía esse nome. Além disso, questões como abortos – com os quais ela sofreu muito durante a vida –, ancestralidade e o marxismo aparecem fortemente em sua obra.
O legado dela é imenso para nós, mulheres. Ela lutou pelo seu país, viveu da sua produção e questionou a monogamia, a submissão feminina e os movimentos artísticos como reflexo da produção europeia. Em seu diário, em 1953, ela escreveu um poema – sem título – que, ao mesmo tempo que nos leva ao século XX, traz-nos ao hoje, à Bell Puã e à força atemporal feminina. Celebremos Frida Kahlo e a luta das mulheres que vieram antes, as quais tiveram as asas cortadas, mas voaram e nos fizeram voar mesmo assim:
(sem nome)
Pontos de apoio.
Em minha figura completa
só há um, e quero
ter dois.
para ter os dois,
me têm de cortar um
É o um que não tenho o
que quero ter
Para poder caminhar
o outro tem que morrer!
A mim, as asas me sobram.
Que as cortem para voar!!
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