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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2025
Cláusulas de não concorrência em contratos empresariais: até onde elas são válidas?

Claudia Cavalcante

Cláusulas de não concorrência em contratos empresariais: até onde elas são válidas?

O equilíbrio entre a proteção empresarial e a liberdade de iniciativa.

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No ambiente empresarial, as cláusulas de não concorrência têm se tornado presença quase obrigatória em contratos de sócios, franquias, distribuição e parcerias estratégicas. O objetivo é claro: impedir que, após o encerramento da relação contratual, uma das partes utilize o conhecimento adquirido para competir de maneira desleal com a outra. À primeira vista, a medida parece justa, afinal, ninguém quer investir tempo, capital e confiança em um negócio para depois ver o ex-sócio ou ex-parceiro abrir empresa idêntica na porta ao lado. Contudo, o problema surge quando tais cláusulas ultrapassam os limites da razoabilidade e acabam violando princípios jurídicos e direitos fundamentais.

A cláusula de não concorrência nada mais é do que um pacto contratual pelo qual uma das partes se compromete a não exercer atividade concorrente durante ou após o término da relação, dentro de parâmetros definidos de tempo e espaço. Sua aplicação prática pode se dar, por exemplo, em contratos de sociedade, franquia ou parcerias estratégicas, funcionando como barreira para evitar a concorrência desleal e proteger informações sensíveis do negócio. Para o microempresário, em especial, essa cláusula pode ser um mecanismo valioso, pois ajuda a resguardar o investimento feito em clientela, know-how e diferenciais competitivos, elementos que, muitas vezes, representam todo o patrimônio intangível de seu negócio.

Não existe, no Brasil, legislação específica que regule de forma minuciosa essas cláusulas no campo empresarial. O que sustenta sua validade é a interpretação combinada dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da livre iniciativa, pilares do Direito Civil e Constitucional. Ou seja, a cláusula pode ser aceita, mas somente se respeitar limites temporais, territoriais e materiais. É aqui que mora o ponto crítico: muitas empresas inserem proibições que beiram o abuso, tentando impedir de forma indefinida que o ex-contratado exerça qualquer atividade profissional, mesmo que fora do ramo específico do negócio.

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A jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de rechaçar tais excessos. O Judiciário entende que uma restrição eterna, sem delimitação geográfica ou que impeça o exercício de qualquer atividade, fere frontalmente o direito fundamental ao trabalho e à livre concorrência. Não é raro ver cláusulas anuladas justamente por configurarem verdadeira afronta à autonomia profissional. É preciso lembrar que o contrato não pode servir como instrumento de opressão econômica, ainda que sob o pretexto de proteger investimentos e segredos empresariais.

É inegável que a não concorrência pode ser ferramenta legítima de proteção, mas somente se utilizada com parcimônia. A limitação temporal deve ser proporcional, geralmente aceita entre dois e cinco anos, e a restrição territorial precisa fazer sentido diante da realidade do mercado, não podendo abranger regiões nas quais a empresa sequer atua. Além disso, o objeto da proibição deve se restringir ao mesmo ramo de atividade, sob pena de transformar a cláusula em mecanismo de exclusão profissional.

O debate que se coloca é se o Judiciário não tem sido excessivamente complacente em alguns casos, aceitando cláusulas que, embora limitadas no tempo, ainda colocam o profissional em situação de vulnerabilidade econômica. O desafio, portanto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre a legítima proteção empresarial e a preservação da livre iniciativa. Afinal, em um país cuja Constituição consagra tanto o direito ao trabalho quanto a liberdade de empreender, é inconcebível que contratos particulares sejam usados para sufocar trajetórias profissionais inteiras.

Assim, a cláusula de não concorrência deve ser vista não como um cheque em branco para o empresário blindar-se de qualquer risco de mercado, mas como um instrumento pontual, legítimo apenas quando respeita critérios de proporcionalidade. De outro modo, perde-se o espírito do contrato, que deve servir para equilibrar interesses, e não para impor restrições abusivas que o próprio sistema jurídico repudia.

 

Dra. Claudia Cavalcante

Advogada OAB/SP 468.550

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Claudia Cavalcante

advogada, empresária, perita grafotécnica, presidente da Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) Subseção da Ordem dos Advogados de Franco da Rocha. Atuante na defesa dos direitos das mulheres. Especialista na assessoria jurídica empresarial...

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