No ambiente empresarial, as cláusulas de não concorrência têm se tornado presença quase obrigatória em contratos de sócios, franquias, distribuição e parcerias estratégicas. O objetivo é claro: impedir que, após o encerramento da relação contratual, uma das partes utilize o conhecimento adquirido para competir de maneira desleal com a outra. À primeira vista, a medida parece justa, afinal, ninguém quer investir tempo, capital e confiança em um negócio para depois ver o ex-sócio ou ex-parceiro abrir empresa idêntica na porta ao lado. Contudo, o problema surge quando tais cláusulas ultrapassam os limites da razoabilidade e acabam violando princípios jurídicos e direitos fundamentais.
A cláusula de não concorrência nada mais é do que um pacto contratual pelo qual uma das partes se compromete a não exercer atividade concorrente durante ou após o término da relação, dentro de parâmetros definidos de tempo e espaço. Sua aplicação prática pode se dar, por exemplo, em contratos de sociedade, franquia ou parcerias estratégicas, funcionando como barreira para evitar a concorrência desleal e proteger informações sensíveis do negócio. Para o microempresário, em especial, essa cláusula pode ser um mecanismo valioso, pois ajuda a resguardar o investimento feito em clientela, know-how e diferenciais competitivos, elementos que, muitas vezes, representam todo o patrimônio intangível de seu negócio.
Não existe, no Brasil, legislação específica que regule de forma minuciosa essas cláusulas no campo empresarial. O que sustenta sua validade é a interpretação combinada dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da livre iniciativa, pilares do Direito Civil e Constitucional. Ou seja, a cláusula pode ser aceita, mas somente se respeitar limites temporais, territoriais e materiais. É aqui que mora o ponto crítico: muitas empresas inserem proibições que beiram o abuso, tentando impedir de forma indefinida que o ex-contratado exerça qualquer atividade profissional, mesmo que fora do ramo específico do negócio.
A jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de rechaçar tais excessos. O Judiciário entende que uma restrição eterna, sem delimitação geográfica ou que impeça o exercício de qualquer atividade, fere frontalmente o direito fundamental ao trabalho e à livre concorrência. Não é raro ver cláusulas anuladas justamente por configurarem verdadeira afronta à autonomia profissional. É preciso lembrar que o contrato não pode servir como instrumento de opressão econômica, ainda que sob o pretexto de proteger investimentos e segredos empresariais.
É inegável que a não concorrência pode ser ferramenta legítima de proteção, mas somente se utilizada com parcimônia. A limitação temporal deve ser proporcional, geralmente aceita entre dois e cinco anos, e a restrição territorial precisa fazer sentido diante da realidade do mercado, não podendo abranger regiões nas quais a empresa sequer atua. Além disso, o objeto da proibição deve se restringir ao mesmo ramo de atividade, sob pena de transformar a cláusula em mecanismo de exclusão profissional.
O debate que se coloca é se o Judiciário não tem sido excessivamente complacente em alguns casos, aceitando cláusulas que, embora limitadas no tempo, ainda colocam o profissional em situação de vulnerabilidade econômica. O desafio, portanto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre a legítima proteção empresarial e a preservação da livre iniciativa. Afinal, em um país cuja Constituição consagra tanto o direito ao trabalho quanto a liberdade de empreender, é inconcebível que contratos particulares sejam usados para sufocar trajetórias profissionais inteiras.
Assim, a cláusula de não concorrência deve ser vista não como um cheque em branco para o empresário blindar-se de qualquer risco de mercado, mas como um instrumento pontual, legítimo apenas quando respeita critérios de proporcionalidade. De outro modo, perde-se o espírito do contrato, que deve servir para equilibrar interesses, e não para impor restrições abusivas que o próprio sistema jurídico repudia.
Dra. Claudia Cavalcante
Advogada OAB/SP 468.550
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