A nova Lei de Seguros (Lei nº 15.040/2024[1]), que entrou em vigor neste mês de dezembro de 2025, provocou ampla e imediata repercussão na mídia econômica e jurídica, ocupando espaço de destaque em portais especializados, veículos de finanças e análises institucionais. Não se trata de uma simples atualização normativa, mas de um dos marcos regulatórios mais relevantes do direito privado brasileiro nas últimas décadas, com potencial para redefinir profundamente a relação entre seguradoras, consumidores, corretores e o próprio Poder Judiciário.
Sob a perspectiva empresarial, a nova legislação foi recebida como um avanço estratégico. A ampliação da liberdade contratual, a flexibilização de regras antes excessivamente rígidas e a maior autonomia conferida às seguradoras para definição de riscos, precificação e estruturação de produtos aproximam o Brasil de modelos internacionais. O novo regime jurídico fortalece o ambiente de negócios, estimula a inovação e amplia a competitividade do mercado segurador, trazendo maior previsibilidade normativa aos empresários do setor.
Entretanto, esse mesmo movimento de modernização impõe desafios relevantes ao consumidor. A Lei nº 15.040/2024 reforça de forma expressiva o dever de informação do segurado, atribuindo maior peso jurídico às declarações prestadas no momento da contratação. Informações incompletas, imprecisas ou mal compreendidas, ainda que ausente má-fé, podem ensejar restrições de cobertura ou negativas de indenização juridicamente válidas, mas socialmente questionáveis. O consumidor passa a assumir papel mais ativo e, ao mesmo tempo, mais oneroso na formação do contrato de seguro.
Nesse contexto, a nova legislação transfere ao consumidor o dever de adotar maior cautela ao contratar um seguro, já que se torna diretamente responsável pelas informações prestadas e pela adequada interpretação das normas contratuais. Todavia, isso apenas reforça a importância de que, com ou sem mudança legislativa, o consumidor sempre consulte um advogado especialista de sua confiança para realizar uma análise pormenorizada do contrato antes de assiná-lo. A prevenção jurídica deixa de ser facultativa e passa a ser instrumento essencial de proteção patrimonial.
Entre as inovações mais relevantes e concretas da nova lei estão os prazos agora expressamente previstos em lei, amplamente destacados pela mídia e por entidades do setor. A seguradora passa a ter até 25 dias para aceitar ou recusar a proposta de seguro, o silêncio dentro desse prazo implica aceitação automática. Após a aceitação, a empresa dispõe de até 30 dias para entregar a apólice ao segurado. Em caso de sinistro, a seguradora deve informar sobre o reconhecimento da cobertura em até 30 dias e, confirmada a obrigação, efetuar o pagamento da indenização em mais 30 dias, sob pena de incidência de multa, correção monetária e juros legais.
A legislação também limita práticas antes recorrentes, como a solicitação excessiva de documentos para análise de sinistros, e estabelece regras mais claras para o cancelamento de contratos, vedando a rescisão automática por inadimplência sem prévia notificação, salvo em hipóteses específicas previstas em lei. Esses dispositivos buscam conferir maior previsibilidade e transparência ao segurado, embora sua efetividade dependa da fiscalização e da aplicação prática pelas seguradoras.
A ampla repercussão midiática também destacou a valorização da boa-fé objetiva e da transparência contratual, inclusive com estímulo à utilização de glossários e linguagem mais clara nas apólices. Nesse cenário, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) lançou guia orientativo ao consumidor, iniciativa positiva sob o viés educativo, mas que também evidencia o grau de complexidade do novo regime jurídico, que demanda mediação técnica para plena compreensão.
Ainda assim, a existência de guias e materiais explicativos não elimina a assimetria estrutural entre seguradoras e consumidores. O contrato de seguro permanece sendo um instrumento técnico, denso e repleto de cláusulas específicas. Ao exigir maior diligência interpretativa do segurado, a nova lei acaba por deslocar para a parte vulnerável o ônus de compreender integralmente riscos, exclusões e limites de cobertura, o que pode comprometer o equilíbrio contratual na prática.
É de se ressaltar que a nova legislação em vigor ainda precisa passar por um verdadeiro “test-drive” no Judiciário brasileiro, tradicionalmente marcado por decisões conflitantes e interpretações divergentes. Somente com o surgimento de novos litígios será possível identificar falhas, lacunas e brechas legislativas, permitindo a formação de uma jurisprudência estável e juridicamente consolidada. Não há espaço para se cantar vitória antes da hora no que se refere à segurança jurídica. Para os empresários, a cautela e a assessoria jurídica preventiva continuam sendo as ferramentas mais eficazes de mitigação de riscos. Um contrato bem estruturado deve se tornar um aliado estratégico e não um inimigo em potencial.
Outro ponto sensível do novo marco legal é a tentativa de redução da judicialização, por meio do fortalecimento do conteúdo contratual e da limitação de interpretações extensivas. Embora essa diretriz aumente a previsibilidade para o mercado, impõe ao Judiciário e à advocacia o desafio de coibir cláusulas abusivas formalmente válidas. A função social do contrato de seguro, voltada à proteção e à mitigação de riscos, não pode ser esvaziada em nome da eficiência econômica.
Nesse cenário, o papel da advocacia torna-se ainda mais estratégico. A atuação preventiva, a revisão técnica de apólices e a orientação jurídica especializada passam a ser indispensáveis tanto para consumidores quanto para empresas. A Lei nº 15.040/2024 não reduz a importância do Direito ao contrário, eleva o nível de exigência técnica e reforça a necessidade de interpretação qualificada e responsável.
A expressiva repercussão midiática da entrada em vigor da nova lei demonstra que o tema extrapola o debate jurídico e impacta diretamente a vida econômica e patrimonial da sociedade. Seguro é confiança, expectativa de proteção e estabilidade. Qualquer alteração estrutural nesse campo exige fiscalização efetiva, educação jurídica e vigilância institucional permanente.
Em síntese, a Lei nº 15.040/2024 inaugura um cenário de oportunidades para o mercado segurador, mas também de riscos para o consumidor desassistido. O grande desafio será assegurar que a modernização normativa não se sobreponha à justiça contratual, preservando o seguro como verdadeiro instrumento de proteção e não como nova fonte de insegurança jurídica. Fomentando com segurança e estabilidade o crescimento econômicos das empresas.
Dra. Claudia Cavalcante
Advogada OAB/SP 468.550
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