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Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2025
SER OU NÃO SER? EXISTIR OU NÃO EXISTIR? VIVER OU NÃO VIVER?

Hermano Leitão

SER OU NÃO SER? EXISTIR OU NÃO EXISTIR? VIVER OU NÃO VIVER?

As escolhas na vida definem o caráter do indivíduo no pêndulo do covarde ao destemido, de sofrer os lances dos arrogantes ou de en

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Independência ou morte!

 

É muito comum nos estudos sobre a existência humana buscar amparo nas reflexões de Shakespeare e Freud, dois pilares da cultura ocidental. De um lado, Freud foi profundamente inspirado pela obra de Shakespeare, por meio de suas peças como espelhos da psique humana para desenvolver conceitos como complexo de Édipo e a análise dos sonhos. Shakespeare, como diz Harold Bloom, inventou o humano, foi um precursor da psicanálise que explorou a profundidade dos conflitos, desejos e o inconsciente, como nos solilóquios em Hamlet e em Macbeth. Na peça Mulheres de Cássia – de minha autoria -, e no espetáculo Solilóquios de Shakespeare – de minha concepção -, esse entrelaçamento de gênios também é ponto nodal na arquitetura dessas produções. Na primeira peça, há uma reflexão emprestada da obra O Mal Estar na Civilização de Freud sobre o pêndulo existencial com a seguinte fala: “a vida tal qual encontramos é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-las, não podemos dispensar as medidas paliativas – aquelas que nos fazem extrair luz de nossa desgraça, por exemplo.” Na segunda peça, é Shakespeare na veia, especialmente com Hamlet, que traz o desafio das escolhas no solilóquio To be or not to be. E não há como resistir elucubrar na tradução do verbo to be para provocar a ideia da escolha mais profunda na vida, com as opções de: ser ou não ser? existir ou não existir? viver ou não viver?, a partir das traduções de Cogito ergo sum para o inglês e para o português, respectivamente: I think therefore I am e Penso, logo existo. E se, ao invés de “ser” ou “existir”, a tradução do solilóquio To be or not to be abarcasse um sentido mais amplo com o verbo viver? O resultado é o seguinte:

Leia Também:

 

To be or not to be

 

Viver ou não Viver? Eis a questão.

Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim em combate?

Morrer... dormir .. comer... mais nada...

Imaginar que, no sono, acaba-se com as dores e os inúmeros tormentos naturais, que a carne herdou, é um final ardentemente desejado.

Morrer.., dormir .. comer... talvez sonhar ...

É ai que bate o ponto.

O não sabermos que sonhos poderão trazer o sono da morte,

Quando, ao final desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos.

É essa ideia que torna calamidade a vida assim tão longa!

Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, a vilania do opressor, as afrontas dos soberbos, a insolência dos poderosos, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desdém que o mérito paciente recebe de gente indigna, se estivesse em suas mãos a escolha de obter sossego com um punhal?

 

 

Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemer, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, a fazer que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refugio noutros males ignorados?

Assim, a consciência nos torna a todos covardes; com a palidez desse pensamento, o tom natural da decisão esmaece. Diante disso, atitudes de altos voos e magnitude se extraviam, em renúncia de praticar a ação reveladora.

 

A ARTE DA GUERRA: a ação cura o medo.

 

Os substitutivos ou  as construções auxiliares  para enfrentar a dor da existência nascem do autoconhecimento, ou seja, consciência profunda dos próprios desafios e medos. Nessa estratégia, não há espaço para covardia, isenção, inação ou submissão à insolência dos poderosos, sob pena de se escolher a existência de um morto-vivo. De forma extremada, Cleópatra desafiou os céus ao dizer: “deveria lançar meu cetro contra os deuses injuriosos, e dizer-lhes que este mundo ao deles se igualava, até roubarem nossa joia rara. Tudo de nada vale: paciência é tolice, impaciência é para cão danado; então, é mesmo pecado correr a morada oculta da morte antes que até nós a morte ouse vir? Enquanto cobra, faca ou veneno possuírem picada, fio e efeito, a salvo estarei.” Em oposição à pulsão de morte, a arte, por meio da sublimação, fortalece a pulsão de vida, e converte o sofrimento em criação redentora. É como entender a arte da guerra na perspectiva de inteligência, estratégia e desenho de cenários a serem enfrentados, ou seja, é uma escolha possível, franca, corajosa, destemida, ainda que a morte seja inescapável pela própria condição natural humana, porém de forma digna. Até para a morte, a ação cura o medo.

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Hermano Leitão

Advogado, ator, escritor e ex-Procurador-Geral de Caieiras, autor de livros e peças teatrais de destaque nacional.

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