Dois Pontos | O portal mais atualizado da região do CIMBAJU

Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2025
Para Que a Morte da Dra. Camilla Nos Faça Pensar — E Agir

Claudia Cavalcante

Para Que a Morte da Dra. Camilla Nos Faça Pensar — E Agir

Um feminicídio anunciado que poderia ter sido evitado exige respostas firmes do Estado e da OAB.

IMPRIMIR
Use este espaço apenas para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.

Como advogada, mulher e presidente da Comissão da Mulher Advogada da Subseção de Franco da Rocha, escrevo hoje tomada pela dor, mas também pela responsabilidade. A morte da Dra. Camilla Santos Silva, presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB de Piraju, não é apenas uma tragédia pessoal e institucional.  É um alerta gravíssimo sobre falhas que não podem continuar a se repetir. Dra. Camilla, referência de competência, coragem e acolhimento às mulheres, foi arrancada de nós de maneira brutal pelo próprio marido, um policial militar. E a pergunta que não cala é: como isso foi possível?

Um fato gravíssimo exige reflexão imediata: na véspera do feminicídio, a arma do agressor foi apreendida no quartel após denúncia de ameaças. Ou seja, havia um indicativo concreto de risco iminente. Havia informação. Havia um alerta. Havia, sobretudo, a obrigação legal e moral de agir. Por que não houve prisão em flagrante? Por que não houve encaminhamento imediato à Delegacia? Por que não foi instaurado um procedimento de urgência para proteger a vítima? Como um agente do Estado, denunciado e desarmado por comportamento ameaçador, voltou para casa — livre — no dia anterior ao crime?

A ausência de prisão em flagrante, diante de uma denúncia tão grave, não pode ser tratada como mero detalhe burocrático. É omissão. É falha sistêmica. É mais um capítulo da negligência histórica com a proteção de mulheres, especialmente quando o agressor veste farda. Se o Estado não consegue agir mesmo quando um policial ameaça sua própria esposa, mesmo quando existe denúncia formal, mesmo quando a arma é apreendida, então de que proteção estamos falando?

Leia Também:

O governador do Estado de São Paulo deve explicações claras à sociedade. É indispensável a abertura de uma investigação rigorosa e transparente sobre a conduta do quartel, o protocolo aplicado e a razão da ausência de medidas protetivas urgentes. Não basta lamentar — é preciso agir, corrigir, responsabilizar e garantir que nenhuma mulher dependa da sorte para sobreviver.

À OAB, nossa Casa, também cabe introspecção e ação. Não é suficiente decretar luto. É necessário implementar mecanismos internos de prevenção, acolhimento e monitoramento de casos envolvendo advogadas ameaçadas. Dra. Camilla presidia justamente a comissão que defende a integridade e a dignidade das mulheres advogadas — e, ainda assim, não conseguiu ser protegida. Isso deve nos mover a uma reestruturação profunda, capaz de honrar sua memória com medidas efetivas.

É imprescindível, ainda, que o agressor seja não apenas responsabilizado penalmente, mas também imediatamente expulso da corporação. Nenhuma instituição pode tolerar em suas fileiras alguém que viola os princípios mais básicos da dignidade humana, especialmente quando se trata de um policial militar — alguém que deveria proteger vidas, não tirá-las. A permanência de um feminicida na estrutura da segurança pública é incompatível com a função do Estado e mancha a imagem de toda a corporação. A expulsão não é apenas um ato administrativo: é um posicionamento moral, institucional e público de que o feminicídio não será acobertado, relativizado ou tratado com indulgência.

Presto minhas condolências à família da Dra. Camilla, à advocacia e a todas as mulheres que se inspiravam em sua força. Mas presto também meu compromisso de lutar para que sua morte não seja apenas mais uma estatística. Que seu legado nos guie para a firmeza, para a coragem e, sobretudo, para a exigência de responsabilidade. Hoje toda advocacia está de luto.

Dra. Camilla merecia viver. E o Estado tinha meios para impedir que morresse. Que essa verdade dolorosa seja o ponto de partida para não permitirmos que outra mulher seja silenciada pela mesma omissão.

O feminicídio da Dra. Camilla não pode ser tratado como um evento isolado, porque não é. Ele está inserido em um contexto crescente de violência contra mulheres, agravado pela falta de preparo das instituições para lidar com sinais prévios. Quantas denúncias ainda serão desconsideradas? Quantas armas ainda permanecerão nas mãos de quem já demonstrou comportamento agressivo? O ciclo só será rompido quando o Estado admitir, sem subterfúgios, que seu sistema de proteção é ineficiente e precisa ser reconstruído com urgência.

A sociedade civil também precisa assumir seu papel. Não podemos naturalizar o feminicídio, nem permitir que ele seja normalizado nas manchetes ou reduzido à expressão “crime passional”, que tenta suavizar o inominável. O que aconteceu com a Dra. Camilla deve nos mover a exigir políticas reais, educação de gênero, campanhas permanentes e responsabilização inequívoca, inclusive e sobretudo quando o agressor é um agente do próprio Estado.

Por fim, que essa tragédia nos inspire a reforçar redes de apoio entre mulheres, especialmente dentro da advocacia. Que a instituição da Ordem dos Advogados do Brasil seja um espaço acolhedor e seguro para cada advogada vítima de violência.  Que estejamos atentas umas às outras, que não deixemos pedidos de ajuda se perderem em silêncios ou formalidades. E que, ao honrar a memória da Dra. Camilla, sejamos a voz que ela sempre foi: firme, incansável e comprometida com a proteção de todas nós. Que sua partida dolorosa se transforme em movimento, e que seu nome se torne símbolo de luta. Descanse em paz, Dra. Camila.

 

Dra. Claudia Cavalcante

Advogada OAB/SP 468.550

 

Comentários:
Claudia Cavalcante

Publicado por:

Claudia Cavalcante

advogada, empresária, perita grafotécnica, presidente da Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) Subseção da Ordem dos Advogados de Franco da Rocha. Atuante na defesa dos direitos das mulheres. Especialista na assessoria jurídica empresarial...

Saiba Mais

Envie sua mensagem, será um prazer falar com você ; )