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Terça-feira, 18 de Novembro de 2025
A Vergonhosa Desvalorização do Dano Moral no Brasil

Claudia Cavalcante

A Vergonhosa Desvalorização do Dano Moral no Brasil

A Justiça brasileira tem transformado a dor do cidadão em números simbólicos e absolvições disfarçadas.

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Nos últimos anos, uma silenciosa deformação no sistema de justiça civil tem se consolidado nos tribunais brasileiros: a banalização do dano moral. Sob a justificativa de coibir a “indústria da indenização”, juízes e tribunais, em especial o STJ e o TJSP, vêm sistematicamente reduzindo os valores de condenações, mesmo diante de ofensas graves à dignidade da pessoa humana. O resultado é perverso: direitos violados são reconhecidos, mas indenizados de forma simbólica.

Estamos diante de uma perigosa inversão de valores. O dano moral, que deveria cumprir papel reparatório e pedagógico, tornou-se um instrumento desidratado, esvaziado de efetividade. Consumidores humilhados, pacientes com tratamentos negados por planos de saúde, trabalhadores assediados, famílias expostas a situações vexatórias — todos recebem decisões que reconhecem o sofrimento, mas lhe atribuem preços incompatíveis com a realidade vivida.

Indenizações fixadas entre R$ 1.000 e R$ 5.000 passaram a ser o novo padrão informal da jurisprudência, independentemente da gravidade da conduta ofensiva. Quando muito, o valor atinge R$ 10 mil em situações extremas. Os tribunais justificam esse rebaixamento dizendo que o dano moral não pode ser “fonte de enriquecimento” nem “mercantilização da dor”. Ora, desde quando o acesso à Justiça e a devida reparação se confundem com enriquecimento ilícito? Essa retórica é um salvo-conduto para que grandes empresas continuem abusando da população, com a certeza de que o custo judicial será insignificante.

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O que está em curso, na prática, é a normalização institucional da impunidade civil. Em vez de coibir condutas lesivas, a jurisprudência atual estimula reincidências, pois o dano causado se torna financeiramente vantajoso para o ofensor. A vítima, por outro lado, arca com o custo emocional, processual e, muitas vezes, financeiro, apenas para ver sua dor precificada como se fosse uma taxa simbólica de frustração.

Não se nega que haja demandas oportunistas no Judiciário — como em qualquer sistema —, mas isso jamais pode justificar o sacrifício do instituto do dano moral em sua totalidade. É dever do Judiciário separar o joio do trigo, não deslegitimar o trigo por medo do joio. Generalizações são perigosas, e o discurso do “combate à indústria do dano moral” tem servido de escudo ideológico para decisões que, muitas vezes, se afastam do princípio da dignidade da pessoa humana e da função preventiva do Direito Civil.

Além disso, a desvalorização das indenizações contribui diretamente para o aumento das desigualdades no acesso à Justiça. O cidadão comum, já vulnerável, vê cada vez menos sentido em recorrer ao Judiciário para reparar um abuso. Afinal, o custo emocional e temporal da ação não compensa uma indenização que não cobre nem o transporte até o fórum.

É preciso que os operadores do Direito — especialmente a magistratura — façam uma autocrítica profunda sobre o papel da jurisdição na proteção dos direitos fundamentais. O dano moral precisa voltar a cumprir sua função: compensar a dor real de pessoas reais, e inibir a conduta reiterada de quem viola direitos com frieza corporativa.

A Justiça não pode ser cúmplice do desrespeito. E não pode continuar tratando a dor dos brasileiros como um número irrelevante em uma planilha de precedentes.

 

Dra. Claudia Cavalcante

Advogada OAB/SP 468.550

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Claudia Cavalcante

advogada, empresária, perita grafotécnica, presidente da Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) Subseção da Ordem dos Advogados de Franco da Rocha. Atuante na defesa dos direitos das mulheres. Especialista na assessoria jurídica empresarial...

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