Um dos maiores filósofos do mundo ocidental temia, na Grécia Antiga, que a escrita e a leitura enfraquecessem a memória dos homens. Na época, a oralidade – isto é, a tradição da fala – era hegemônica no mundo grego e poemas de mais de 15 mil versos, como A Ilíada, eram lembrados e recitados pelos cidadãos que se dedicavam ao estudo da Poesia, chamados rapsodos. Embora tenha desenvolvido seu pensamento filosófico através da fala e do diálogo, toda a obra de Sócrates, que viveu no século V a.C., o homem que criticou a escrita durante o século V a.C., só existe até hoje porque foi registrada por seu discípulo, Platão e se encontra em diversas obras dele, como "A república".
Esse panorama, de muitos anos atrás, é importante para que possamos entender a principal vantagem da escrita: sua durabilidade, de valor inestimável. Ainda que muitas culturas baseiem-se na oralidade e transmitam suas tradições com sucesso, a escrita consegue "congelar" ideias, eventos, histórias, preservando-os por séculos — e desse modo se estruturou grande parte da produção de conhecimento no mundo ocidental.
Assim como Sócrates teve medo da escrita na Antiguidade, os neurocientistas que estudam a leitura e seus processos no cérebro se preocupam com o letramento digital que estamos desenvolvendo. Maryanne Wolf, autora do livro O cérebro no mundo digital, observa que na Internet lemos diariamente o equivalente a livros inteiros e que, talvez nunca na história, se tenha lido e escrito tanto quanto agora. A todo momento, somos bombardeados por palavras: seja na televisão, nas redes sociais ou nas notícias diárias.
Entretanto, Wolf aponta que a forma como lemos está se transformando radicalmente. A pesquisadora chama atenção para o fato de que a leitura digital tende a privilegiar a velocidade em detrimento da profundidade. Ao "pularmos" de link em link, treinamos o cérebro para a fragmentação, já que uma das principais capacidades dele é a neuroplasticidade, um fenômeno de adaptação funcional e estrutura. Isso pode comprometer a capacidade de concentração e de leitura profunda, sintomas da modernidade sentidos por muitos leitores.
Essa não é a primeira vez que a leitura passa por uma mudança no seu suporte, ou seja, no meio em que ocorre. No século XV, a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg multiplicou o acesso aos livros e acelerou a disseminação de ideias, o que provocou mudanças profundas na sociedade da época, que configuram uma revolução no papel social da leitura na época. Atualmente, vivemos um momento parecido: as palavras circulam na mesma velocidade em que são criadas – ou melhor, publicadas. Porém, ao contrário dos livros impressos, boa parte do conteúdo digital se perde no fluxo incessante das redes.
Talvez o grande desafio do nosso tempo não seja ler mais — pois já lemos como nunca —, mas ler melhor, com qualidade. A dificuldade cada vez mais comum de nos debruçarmos sobre um livro está relacionada com a alteração do nosso cérebro para se adequar a era em que vivemos, em que tudo – os vídeos, os textos, as tendências – é rápido. Encontrar espaço para uma leitura silenciosa, profunda, livre das distrações das telas que nos sobrecarregam a todo momento, é talvez nossa maior missão como leitores.
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