Ela chega com cores, fantasias e uma agenda repleta de dias temáticos. Para muitas crianças, a "Semana Maluca" é um oásis de ludicidade no calendário escolar, um período aguardado com ansiedade, onde a criatividade e a brincadeira reinam. No entanto, por trás do caos alegre e das fotos divertidas nas redes sociais, essa mesma semana pode se transformar em um palco cruel que evidencia, de forma dolorosa e profunda, as desigualdades que permeiam a infância.
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O problema central vai muito além de quem pode ou não comprar adereços para fazer o "cabelo maluco". A questão mais forte surge para a criança que não tem um responsável para ajudá-la a mergulhar nessa disputa. Enquanto muitos pais e mães se desdobram entre trabalho e lojas, enfeitando, colando e moldando, há aqueles que simplesmente não podem. Crianças criadas por avós com mobilidade reduzida, aquelas em situação de acolhimento institucional, ou que têm pais ausentes, sobrecarregados ou doentes, se veem diante de um abismo.
Para elas, a semana de alegria prometida se converte em uma maratona diária de constrangimento. Cada dia temático é um lembrete do que lhes falta. O "Dia do Pijama" vira a exposição de que seu pijama é o único, e talvez, velho e desgastado. O "Dia da Fantasia" evidencia que não há ninguém em casa para transformar uma caixa de papelão em um robô ou uma toalha em uma capa de super-herói. O trauma da ausência, da negligência ou da pobreza, usualmente mascarado pela rotina uniforme da escola, é escancarado publicamente.
O momento que deveria ser de inclusão e descontração torna-se, assim, um ritual de exclusão. A criança não apenas se sente diferente; ela é sistematicamente lembrada de sua diferença. Ela é a que está de roupa comum no "Dia do Colorido", a que não trouxe o lanche especial no "Dia da Comida Divertida". O olhar de pena dos colegas, a pergunta bem-intencionada mas ferida da professora – "e você, não vai se fantasiar?" – são pequenas agulhas que vão costurando um manto de inadequação e vergonha sobre seus ombros pequenos.
A escola, que tem o papel fundamental de ser um espaço de acolhimento e equalização de oportunidades, pode, sem querer, amplificar essas diferenças. Ao insistir em uma agenda rígida e muitas vezes onerosa, sem oferecer alternativas viáveis e inclusivas para todos, ela corre o risco de transformar o lúdico em um fator de estresse e ansiedade.
A verdadeira "loucura" dessa semana, portanto, não está nos cabelos coloridos ou nas roupas ao avesso. Está na naturalização de que todas as crianças partem do mesmo ponto, com as mesmas estruturas familiares e as mesmas condições materiais. Está em ignorar que, para alguns, a infância é um território marcado por responsabilidades precoces e carências afetivas.
Repensar a "Semana Maluca" não significa acabar com a brincadeira. Significa humanizá-la. É sobre criar dias que priorizem a criatividade com o que se tem, a colaboração entre os alunos e a sensibilidade para perceber que, para algumas crianças, o maior superpoder que a escola pode oferecer não é uma capa, mas um abraço, um olhar de acolhimento e a certeza de que sua simples presença, do jeito que está, já é mais que suficiente para celebrar. Só assim a alegria será verdadeiramente coletiva, e não um privilégio que aprofunda feridas e marca, com letras garrafais, as distâncias que separam um universo infantil do outro.
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